domingo, 5 de fevereiro de 2012

VIII – A escolha do destino

Ao abrir os olhos, a azeitona preta ainda viu a azeitona verde dando risada com as outras azeitonas passeadeiras. Aquilo parecia uma continuação do sonho: uma brisa, um calor da manhã, o barulho das risadas... Era como se ela estivesse vendo a cena junto ao mar. Nisso, a azeitona verde parou e deu uma risada olhando para a azeitona preta.
- Dormi! - Exclamou a azeitona preta.
- Como pode dormir num momento importante como este? - Perguntou a azeitona verde, que na verdade considerava todos os momentos importantes. - Dentro de alguns instantes vai começar o festival e nossos destinos serão marcados!
O festival, ao qual a azeitona verde se refere, é o festival da catação, como costumam chamar na cidade. Sempre na época em que caem as azeitonas por causa das bicadas dos pássaros que gralham nos cabinhos das azeitonas, é feito o festival: a praça é toda coberta com lonas, dias antes, tudo é bem limpo, e as pessoas evitam entrar na praça para não sujar nada. Só entram as mulheres que trocam o vestido branco da estátua da menina do vestido branco e a camisa vermelha do menino da camisa vermelha, os funcionários da prefeitura que cuidam da limpeza do pequeno lago regado pela cascata dos borbotões e mais ninguém. Os preparativos começam três ou quatro dias antes do dia do festival.
Dias depois do festival da catação, acontece o festival da colheita, que é para colher aquelas azeitonas que já estão no ponto, mas que, por um motivo ou outro, não tiveram seus cabinhos bicados pelos pássaros que gralham.
- Nosso destino está marcado desde o dia em que brotamos. - Respondeu a azeitona preta como se soubesse de tudo.
- Não, não é verdade! - Revoltou-se a azeitona verde. - Nosso destino vai sendo mudado o tempo todos! Nós podemos mudar o nosso destino! Nós podemos escolher o que queremos ser, qual será nossa função social!
- Talvez... - Duvidou a azeitona preta muito cética. - Já ví muita azeitona que queria ser petisco e no fim virou azeite... Nem azeite virgem era, mas do misturado.
A azeitona verde pensou que, desta vez, quem estava sendo preconceituosa era a azeitona preta; lembrou-se da discussão que teve sobre as azeitonas verdes serem melhores e retrucou:
- Qual o problema de virar azeite? Você sabe que mesmo as uvas não se importam de virar vinagre, se elas podiam virar vinho...
Mas no fundo no fundo, nem a azeitona verde e nem a azeitona preta queriam ser azeite. Isso era uma espécie de tabu até entre todas as azeitonas. Alguns relatos diziam que as azeitonas que não eram muito vistosas acabavam sendo usadas para o azeite. Isso não era comprovado, e, de fato, não era verdade e nem é. Nas grandes propriedades, há plantações inteiras que se destinam só à produção do azeite, mesmo que o fruto seja da melhor qualidade para ser usado como petisco.
- Eu não sei... - Relutou a azeitona preta. - Nunca contaram direito as coisas, mas pelo que sei, para fazer o azeite, somos espremidas e pressionadas e vamos secando, secando...
Houve um silêncio terrível, algo que nenhuma das duas queria pensar e que, no entanto, era inevitável.
- Espremidas? - Repetiu a azeitona verde como se estivesse dizendo o óbvio. - E então, qual o problema, madurão?
- O que é isso de madurão? - esbravejou a nem tão madura assim azeitona preta. - Porque não respeita um pouco o sentimento dos outros?
- Desculpe-me, mas você é um bocado sensível, não? Não estou querendo te ofender, só estou brincando. - Justificou-se a azeitona verde - E, além disso, você está se preocupando à toa: não é preciso temer algo que é tão normal, algo que faz parte de nossa função social.
A tal "função social" era como um mantra para a azeitona verde e para a maioria das azeitonas. Era um deus oculto que se manifestava a cada temor delas. Por isso, a azeitona preta sabia que, por trás das palavras da azeitona verde havia também um grande receio.
- Certo, então, mas você não se importa em ser transformado em azeite? - Insistiu a azeitona preta.
- Vou te contar algo que minha avó descreveu e que me faz pensar diferente de você. - Começou a azeitona verde. - Mas antes, respondendo a sua pergunta, eu, na verdade, tenho muita vontade mesmo, é de ser o enfeite de um prato de bacalhau...
A azeitona preta ficou esperando e pensando na opção da azeitona verde. Nem teve muito tempo de pensar porque a azeitona verde começou a contar o que dizia a avó dela.