quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

IX – A menina muito magra

Numa propriedade muito bonita, onde tudo que fosse plantado nascia mais bonito do que nos outros lugares, vivia uma menina muito magra e muito fraquinha. Nada ela queria comer, nada ela queria fazer. Achavam até que ela tinha uma doença chamada bulimia, mas isso não era verdade, porque ela também se achava magra demais.
A menina muito magra passeava no meio do pomar e olhava todas aquelas árvores com frutas suculentas: macieiras com maçãs vermelhas e lustrosas, pessegueiros com pêssegos tão cheirosos, pereiras com macias pêras amarelas, goiabeiras, figueiras, abacateiros, limoeiros e pés de laranja. A lista é imensa, mas acompanhando a caminhada da menina muito magra, ela passava pelo imenso trigal e acabava sempre chegando à enorme oliveira que ficava no alto do morro. Apoiada em seu esqueleto que se equilibrava não se sabe como, de tão pouca carne e tão pouco músculo - bem ao contrário do menino de 8 anos que depois ficou mais velho - a menina muito magra sentava-se à sombra da oliveira e ficava olhando meio de lado para a vista de lá de cima.
Sempre em sua casa havia todo o tipo de fruta, todas graúdas, suculentas e saborosas. Todas saudáveis e doces. Acontece, porém, que a menina muito magra olhava para a oliveira e via aquelas frutinhas verdes, douradas, marrons e roxas e ficava pensando em como seria o gosto das frutas. Por ser muito antiga e por nunca ter sido podada, a oliveira acabou ficando muito alta. Os frutos ficavam bem lá encima e ninguém alcançava. Na propriedade, ninguém se arriscava a subir na árvore, mesmo porque, só tinham experimentado as azeitonas caídas e acharam o gosto horrível. E ninguém sabia como prepará-las. A menina muito magra ficava chateada, porque ela não achava justo não poder comer os frutos da árvore que ela considerava a mais bonita, e, por causa disso, não tinha interesse em comer os frutos das outras árvores mesmo que ela também as achasse bonitas.
Nesta noção de igualdade bastante distorcida, a menina muito magra acabou não querendo comer também os ovos das melhores galinhas, as carnes dos melhores animais de abate e nem querendo beber o leite das mais saudáveis cabras e vacas leiteiras.
As cozinheiras da propriedade faziam de tudo para que a menina muito magra se animasse e comesse alguma coisa, mas não tinha conversa. A pobre mãe rica da menina muito magra chorava escondida de tanta tristeza e todas as noites, enquanto a esquálida filha dormia ela ia até o quarto dela e com uma pequena colher, colocava na boca da filha um pouco de sopa diluída para que ela engolisse sem perceber. Quando a menina muito magra não engasgava ela se nutria um pouco, mas isto não era suficiente.
Um dia passou pela propriedade um homem muito velho e sábio vindo da Espanha conhecido como o sábio andarilho. O sábio andarilho buscava como de costume a essência da vida, como se fosse possível que isto fosse encontrado. Em muitos cantos do mundo ele havia estado, lugares de fartura, de bonança, mas também de miséria e de tristeza. Nestas andanças todas, ele achava partes do sentido da vida, mas sempre considerava que faltava algo.
Quando o caso da menina muito magra foi levado até o sábio andarilho, ele logo achou que mais um pedacinho do sentido da vida estava ali, e não demorou muito tempo até que o sábio andarilho e a menina muito magra se encontrassem a conversar no alto do morro sob a sombra da oliveira.
Logo no início o sábio andarilho não entendeu porque os frutos de uma oliveira tão bela não eram usados. Nas conversas com a menina muito magra ele foi descobrindo que ali ninguém sabia das propriedades e das utilidades das oliveiras. Ninguém sabia que o fruto comido direto do pé era muito ruim - apesar de o menino de 8 anos não concordar - mas que após o devido preparo, ficava uma delícia.
E durante meses os dois caminharam juntos pelo campo de trigo, pelos pomares, pela granja e pelos currais. Iam até o rio, olhavam a pequena cascata e conversavam, conversavam e conversavam.
O andarilho sábio resolveu então combinar com a menina muito magra que eles fariam uma poção mágica que curaria a magreza dela. Esta poção seria um segredo só dos dois, e todos ficariam espantados com o resultado. E com isto, o esperto do sábio andarilho, ensinou à menina muito magra como colher as azeitonas do alto da oliveira - eles usavam cestinhas na ponta de varas muito longas - e a extrair das azeitonas o líquido dourado. Tudo feito escondido numa cabana sob a oliveira. Demorou muito tempo até juntarem 6 quilos de azeitonas, até espremer tudo e fazer escoar todo o azeite. A menina muito magra olhava, anotava em um caderninho com cadeado, e com o passar do tempo fazia tudo o que aprendia. A menina muito magra não sabia quanto tempo levaria para que ficasse pronta a poção, mas o sábio andarilho dizia a ela que ainda que ela sentisse vontade de provar o líquido não poderia pois ainda não estava pronto.
Até que um dia, após coar uma última vez o líquido, eles colocaram em uma garrafa de vidro quase um litro e olharam contra o sol. Os olhos da menina muito magra brilharam, um sorriso surgiu em seus magros lábios e uma lágrima escorreu dos olhos do sábio andarilho.
- Posso beber agora a poção? - perguntou a menina muito ansiosamente.
- Não magérrima menina - respondeu o sábio andarilho - lembre-se de que você nada quer comer ou beber, e, além disso, a poção não está pronta ainda.
No dia seguinte, saíram os dois para fazerem a mesma caminhada e o sábio andarilho foi explicando como seria a finalização da poção. A menina muito magra foi anotando tudo:
No limoeiro devia ser colhido o melhor limão maduro, e só um limão, no moinho do trigal deviam ser pegas duas xícaras de farinha soltinha e fresca; da melhor galinha deveriam ser escolhidos 2 ovos grandes; da mais bela vaca deveria ser ordenhado um copo de leite e da grande árvore de canela deveria ser retirado um pedacinho da casca.
À noite levaram tudo até a cozinha da grande propriedade, mais o vidro de azeite e um feixe de lenha, e acenderam o grande forno no meio da cozinha. O sábio andarilho separou ainda da dispensa da cozinha uma xícara de açúcar, uma colherinha de fermento que era usado nos pães e um pouco de sal.
O sábio andarilho disse então para a menina muito magra que a poção só funcionaria se ela mesma a preparasse, e, assustada mas ao mesmo tempo muito orgulhosa, a menina muito magra foi seguindo as instruções do sábio andarilho.
- Forre uma forma com papel vegetal (naquele tempo não havia papel alumínio) e derrame um pouco do azeite sobre o papel. Isto não faz parte da poção, mas não deixa que ela grude na forma. - Explicou o sábio andarilho.
- O limão que você escolheu deve ser bem lavado e você deve ralar a casca em uma tijelinha. - Continuou o sábio andarilho.
A menina muito magra olhava para o sábio andarilho pegava os apetrechos balançava o frágil corpo, ficava nervosa, mas ia fazendo tudo direitinho. Depois, o sábio andarilho disse a ela para peneirar a farinha em um pote limpo e misturar as raspas da casca do limão.
Enquanto isso, o sábio andarilho, como era sábio, resolveu ele mesmo, quebrar os dois ovos em outra tigela e batê-los bem junto com uma pitadinha de sal que a menina muito magra acrescentou. A menina muito magra ficou preocupada, achando que a poção não funcionaria, mas o sábio andarilho riu pondo as mãos na barriga e disse com um sotaque espanhol muito forte: - Porque você não acredita num velho sábio pequena magérrima? E foi tão convincente o sábio andarilho que daí em diante os dois foram fazendo tudo juntos: misturaram pouco a pouco o açúcar da xícara aos ovos e mexeram bem, depois colocaram uma xícara do azeite que eles tinha feito e foram mexendo, depois deitaram todo o leite sobre a mistura e continuaram mexendo e finalmente adicionaram a farinha que tinha sido peneirada e foram mexendo.
Cada vez mais a menina muito magra ia ficando espantada, pois a tal mistura foi ficando mais espessa, de uma cor muito bonita, clara como a cor da pele dela e, quando a mistura ficou bem uniforme, os dois despejaram na forma que a menina muito magra tinha preparado espalharam mais açúcar por cima até ficar branquinho e depois a menina muito magra ralou a casca de canela enquanto o sábio andarilho disse as palavras mágicas: - Cresça e não fique magérrimo!
Colocaram a forma dentro do forno onde a lenha mantinha uma temperatura de uns 150 graus e ali deixaram por uma meia hora. Em seguida, abriram e a menina afoita quis logo pegar um pedaço do bolo que tinha um cheiro realmente mágico, mas o sábio andarilho não deixou e disse:
- Se você não esperar pelo menos uns dez minutos até que a poção esfrie, nada vai funcionar - Ele sabia que a menina muito magra iria se queimar...
Esperaram tão ansiosos quanto um pai esperando o nascimento do filho na maternidade e, finalmente chegou o momento: o sábio andarilho aguardou em silêncio e como que por mágica, a menina muito magra cortou uma fatia a saboreou, ah, como ela saboreou! Depois comeu mais um pedaço, e outro ainda. O que sobrou, ela guardou em uma caixa de metal e no dia seguinte serviu aos pais explicando:
- Esta é a forma de comer os frutos da grande oliveira!
Os pais e nem ninguém mais viu o sábio andarilho que saiu dias depois após despedir-se da menina que já não era tão magra e agradecer a ela pois mais um pedacinho do sentido da vida ele tinha descoberto: como fazer alguém feliz e realizado.
A menina, desde então, usou a poção muitas vezes e foi misturando outros ingredientes, como maçãs, suco de laranja e outros, mas sempre fazia a poção original.
Na grande propriedade não havia quem não ficasse na porta da grande cozinha esperando o momento em que ficava pronta mais uma fornada da poção, tudo isso graças ao sábio andarilho que sabia como extrair o líquido mágico da oliveira.