quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

VII – O menino de 8 anos

Ninguém acreditava que fosse possível ou até que fosse saudável, comer uma azeitona que não tivesse passado por este processo. Claro que não era assim como no sonho da azeitona preta, e as azeitonas não ficam na praia brincando enquanto se salgam. O que acontece, é que depois de colhidas, as azeitonas são levadas até enormes tonéis com água e sal e ali ficam num processo chamado de "cura", que é como se fossem cozidas sem que seja preciso levar ao fogo. Quando isto é feito, alguns componentes da azeitona que são bem ácidos e amargos são "puxados" para fora pela força do sal. Mas isto não é assim fácil não: tem uma porção de truques e etapas que só os grandes preparadores de azeitonas conhecem, e tem também temperos que podem ser acrescentados como pimenta, ervas, folhas de loro, alho, suco de limão e outras coisas. Pode levar 15, 20 dias, 1, 2 e até 3 meses, sempre trocando a água e o sal, até que fique realmente bom! Se não trocar, embolora, fica uma porcaria só... Para cada uso é uma receita diferente. Só que no sonho da azeitona preta, ela sonhou aquilo que sempre foi contado a ela, e, aquilo que sempre se avistava do alto das oliveiras, um mar infinito e momentos de descontração. Mas um banhão de tonel também parecia, para as azeitonas, algo muito divertido. Azeitonas são muito criativas, fazer o que...
Acontece que um garoto de 8 anos ficou famoso na cidade depois que foi visto comendo direto dos ramos da oliveira, as frutas que iam amadurecendo e até as mais verdinhas. As outras crianças achavam graça e tentavam fazer igual, mas saiam cuspinho pedaços para todos os lados, ficavam com a boca amarrando e à noite tinha dores de barriga e enjoos. O garoto de 8 anos, por sua vez, morria de rir e comia mais e mais azeitonas. A tia dele, que trabalhava no serviço de saúde, preocupada, chamou alguns médicos para estudarem o caso, mas, ninguém se arriscou a estudar o assunto mais aprofundadamente. Todos que experimentavam as azeitonas "in natura" achavam horrível, mas o garoto de 8 anos comia, ria e comia. Quase mais nada ele comia, só um tanto de leite de vez em quando. O espantoso era que o menino de 8 anos era forte como um touro, corria velozmente pelas ruas e carregava mais peso que um adulto. Ninguém tinha coragem de dizer que era por causa das azeitonas colhidas do pé e ninguém tinha coragem de tentar seguir o mesmo regime dele. O menino de 8 anos foi crescendo - e é claro, deixou de ser o menino de 8 anos - sempre forte, trabalhador e bem disposto. Passou a gostar muito de azeitonas curtidas também, mas nunca deixou de comer as azeitonas do pé.
Hoje, o menino de 8 anos deve ter uns 50 e tantos anos, mas todos acham que ele tem menos do que 30, de tanta saúde que ele tem. Não é difícil vê-lo na praça central, nas horas de folga, escolhendo frutos graúdos e lustrosos e saboreando com vontade. Antes as pessoas se espantavam mesmo, olhavam com cara de nojo, torciam o nariz, as mães tapavam o rosto dos filhos pequenos e, os mais incautos tentavam fazer igual e saiam tossindo e cuspindo. Hoje não, o menino de 8 anos - que tem mais de 50 e parece ter menos do que 30 - é figurinha conhecida e todos passam e cumprimentam, todos admiram seu porte atlético e sua risada solta, todos conversam com ele, e até, muitos produtores da região e até de regiões bem distantes, pedem que ele prove as azeitonas para saber quando é o melhor momento de colher, qual o melhor tipo para plantar, quanto de sal deve ser usado, quanto limão e assim por diante.
As azeitonas no pé ficam todas agitadas quando ele passa por perto, e, no meio delas, ser apanhada pelo menino de 8 anos - que não tem mais 8 anos - é considerada uma grande honra. Todas clamam que, assim como o monumento à Eulália a juíza e as estátuas das duas crianças, deveria ter também uma homenagem ao menino de 8 anos - você já sabe - para que todos sempre se lembrem dele. Uma vez, por sinal, uma repórter o entrevistou e perguntou a ele se ele achava que deveria haver um monumento em homenagem a ele para que o povo sempre lembrasse. O menino de 8 anos - blá, blá, blá - deu uma demorada gargalhada do alto de seus mais de 2 metros e disse:
- Porque você acha que o povo se esqueceria de mim?